Série Arredores: Produção de videoclipes com Couple of Things

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Foto: Iuri Poletti

por Lucas Lima

Na série de entrevistas Arredores, conversamos com profissionais respeitados que trabalham ao redor da música, criando circunstâncias e possibilidades para que os artistas se apresentem da melhor forma possível. Os nossos convidados de hoje são os cineastas Léo Longo e Diana Boccara, do canal Couple of Things no YouTube.

O casal foi responsável pela série “A Volta Ao Mundo em 80 Videoclipes”, exibida pelo canal Bis. Boccara e Longo atualmente encabeçam o projeto Videoclipers: Durante três meses, os dois percorreram sete cidades tupiniquins e gravaram vídeos de 16 artistas, entre eles a banda goiana Carne Doce e o cantor pernambucano Barro, distribuídos pela Tratore. Junto com os vídeos finais, o projeto lança toda quarta-feira o making of das produções.

Fizemos algumas perguntas ao casal a respeito de produção de videoclipes. Confira:


Antes de ir realmente gravar, o que é importante fazer? O que deve estar no planejamento?

Tem algo importantíssimo a ser dito antes de responder essa questão. A forma como trabalhamos é totalmente diferente se comparamos com qualquer outra produção convencional. Isso porque na série Videoclipers temos o desafio de criar, produzir e filmar um clipe em menos de 5 dias. Esse é o tempo que temos pra chegar em uma cidade, conhecer a banda pessoalmente, discutir roteiro, escolher locação, etc e tal. Nossa eficiência deve ser intensamente multiplicada pelo curto espaço de tempo que temos. Por conta disso, nem tudo é como queremos. Às vezes acabamos conhecendo a locação que vamos filmar no próprio dia, ou os atores no próprio dia. Enfim, e aí, o que você faz quando você tem tantas peças deste quebra-cabeça em aberto? O que deve ser prioridade no planejamento antes de filmar um clipe se você tem poucas coisas concretas antes? A resposta para nós é: o roteiro e conhecer profundamente a canção. Este é o alicerce de qualquer gravação nossa e o que deve estar mais sólido em nosso planejamento.

Ouvir a música que vamos filmar, sentir quais são os momentos mais intensos, os mais reflexivos, ou os mais bem-humorados, etc, faz a gente ter consciência de como nosso plano sequência e o movimento de câmera devem reagir e se comportar. E aí, se vamos para uma praia, ou para uma rua, ou uma casa gravar, já temos algo sedimentado para guiar nossa gravação. Para um plano sequência bem sucedido, não tem coisa mais importante do que dar personalidade e intenção para seu movimento de câmera. Essa construção é feita com concentração e antecedência, e é o que faz um clipe ser bem ou mal sucedido. Porque depois, na pós-produção, não tem o que ser editado e, consequentemente, resolver algo que não rolou antes é mais difícil.  Finalizando, achamos que se você vai filmar um clipe, o mínimo que se pode esperar de um diretor é que ele saiba interpretar música em movimentos de câmera.

No Videoclipers vocês escolhem uma música para trabalhar de cada artista, certo? O que vocês levam em consideração para esta escolha? Vocês dão uma atenção especial para os singles, por exemplo?

Nossa curadoria segue basicamente dois critérios: temos que gostar da música e temos que nos identificar com a personalidade da banda. São critérios muito subjetivos e, por isso mesmo, nossas séries são tão afetivas e alternativas. Sabemos que um clipe existe para ilustrar canções, mas os clipes também falam da gente e representam nossa forma de ver as coisas. Portanto, preferimos não filmar músicas com as quais não nos envolvemos sentimentalmente.

Hoje em dia se valoriza muito o trabalho audiovisual na música (podemos citar, por exemplo, os álbuns audiovisuais). Em vez de trabalhar um clipe somente para uma canção, vocês acham válido fazer videos para todas as faixas de um álbum ou EP? Ou existem canções que não combinam com vídeos e depende do conceito da coisa?

Temos alguns projetos em processo de venda que abordam de forma diferente essa relação da música com o vídeo. Somos super favoráveis a opinião de que os músicos e os filmmakers precisam aprofundar mais a experimentação de novos formatos. Atualmente temos o videoclipe, os shows ao vivo, as lyric videos e as sessions como os formatos mais populares, mas vamos ver muitos formatos nascendo e reinventando essa relação. É positivo para todo mundo. Cada vídeo propõe uma experiência diferente de assistir a uma música.

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Barro e Leo Longo nas gravações do videoclipe de “Cavalo Marinho”. Foto: Lumos Coletivo

Os vídeos que vocês gravam são feitos em plano sequência. Para um artista que está começando e que não tem muito dinheiro para investir, esta é uma boa saída? Quais outras dicas vocês dariam para economizar? 

Plano sequência não tem relação direta com baixo investimento financeiro. Já filmamos clipes neste formato que seriam mais caros que muito clipe “não plano sequência”. E também já filmamos vídeos com cortes que foram absurdamente baratos, como o que filmamos com iPhone X para o cantor uruguaio Nicolás Molina, em que Diana atua e eu filmo.

Às vezes, um plano sequência até pode ser mais rápido para gravar, mas pode exigir uma preparação muito mais longa que qualquer outro clipe teria, como, por exemplo, se for uma coreografia com dezenas de pessoas. O que traz economia para uma produção é criatividade. Se você não tem recursos para gravar um clipe com dezenas de pessoas dançando em cima de um barco pegando fogo, você faz o que? Não grava o clipe? Ou tenta repensar que tipo de cena e imagem traduziriam essa música tão bem ou até melhor por um custo mais baixo? Então, é isso. Sempre uso como exemplo um clipe que o Michel Gondry fez para o The White Stripes. Ele apoiou uma câmera na pia, apontou para o box do chuveiro e com o vapor da água quente, foi desenhando no vidro a história do clipe. Simples assim. Dá para entender o que eu tô falando quando colocamos na balança criatividade x economia.

Vocês dois encabeçam o projeto Videoclipers, mas há colaboração de outras pessoas? O que o artista deve refletir ao pensar se precisa montar uma equipe ou trabalhar com o mais simples (duas ou três pessoas)?

Encabeçamos o projeto e somos integralmente responsáveis pela criação, produção, filmagem e pós-produção de todos os clipes que fazemos. Isso não significa que às vezes possamos contar com colaborações, que é o que sempre tentamos fazer nos clipes que filmamos. Mas se não temos alguém para ajudar na produção em uma gravação, ou para fazer maquiagem com sangue em outro, nos ajudar a criar um cenário, a gente tem que se virar sozinhos. Levamos ao extremo a vivência artística por trás de um clipe.

Gostamos de explorar habilidades e descobrir quais são nossas limitações e potencialidades como artistas. Assim como sabemos reconhecer o quanto é importante contar com outros artistas talentosos em suas artes. Não existe fórmula para isso, acho que existe sinceridade. Se você acha que é capaz de aprender e fazer uma máscara de monstro para um clipe, tem que tentar. Mas ao mesmo tempo tem que ser sincero consigo mesmo para reconhecer que não tem, já que isso poderia arruinar um clipe.

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Leo Longo e Diana Boccara. Foto: Bruno dos Anjos

Vocês como produtores de vídeos, o quão importante é ouvir o artista, saber também o que eles querem? Isto pode atrapalhar o processo criativo de vocês? 

Sempre gostamos da participação dos músicos na criação da ideia. Essa relação nos aproxima e nos faz entender ainda mais quem são os artistas com quem estamos colaborando. Para o processo criativo faz diferença. Mas já não é o mesmo quando essa interferência acontece no processo técnico da gravação. Neste momento é muito importante que tanto a banda quanto o diretor saibam se relacionar durante as filmagens. Normalmente o diretor, por razões óbvias, tem mais bagagem e know-how técnico, mas não significa que um artista possa contribuir dividindo o que espera de uma determinada cena ou de um determinado momento. É importante que todos ali tenham consciência plena e sensibilidade sobre até onde deve avançar ou recuar para potencializar a experiência da gravação. Já tivemos boas e más experiências neste sentido.

O que é preciso para um videoclipe ser bom e prender as pessoas? 

Uma música pode ter dezenas de interpretações, e então, pode ser filmada de dezenas formas diferentes. O que quero dizer com isso é que quando você ouve uma música, você pode enxergar alguém dançando debaixo d’água e eu posso enxergar alguém chorando enquanto lava a louça. Não existe certo ou errado. Existe sim a ideia que tanto banda quanto diretor acham qual é a melhor pra representar a canção. A gente não gosta destes clipes com fórmulas clássicas, como são centenas de clipes de funk no Brasil, de rap nos EUA, de pop, etc. Eles seguem um roteiro padrão e eles realmente funcionam para prender as pessoas. Show de cortes, close no bumbum, efeitos especiais. Mas seguimos outro caminho artístico. Para nós, o que faz um clipe ser bom é quando ele consegue ser o mais autêntico e fiel à música que está apresentando. E dá para fazer isso de várias maneiras.

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